terça-feira, 31 de março de 2020

31 de Março - Miserere


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Tem piedade de nós, Senhor, teus derradeiros sobreviventes,
porque nos deste estes mortos como herança
tornámo-nos os pais dos nossos mortos.
Tem piedade de nós, Senhor, miseráveis padrastos,
que gerámos estes homens na Morte:
eis-nos separados deles pelo seu cadáver,
eles que estão já mortos e fundidos na tua noite.
O nosso dia escuro ofusca-se com a sua noite,
a nossa carne perturba-se ao contactar a sua sombra,
não temos bastante noite para nos escondermos,
estamos nus até à medula da sua glória
e as nossas palavras caem como pó no seu pensamento,
tornámo-nos estranhos a nós mesmos,
grandes ventos sopram e expulsam-nos da carne,
tememos morrer e tememos viver,
estamos para sempre aquém da Morte.

PIERRE EMMANUEL (1916-1984)

segunda-feira, 30 de março de 2020

30 de Março - Tudo consumado




Tudo está consumado.
O teu olhar, Senhor, que baptizou a terra,
O teu olhar que eterniza
E que revestiu com luz nova os seres
E as pequenas coisas da vida.
O teu olhar já não existe.

Tudo está consumado.
São fixados para sempre,
Nunca sairão da memória humana
Aqueles que encontraste na parábola da tua vida,
O apóstolo e o miserável,
O jovem rico e a mulher do poço de Jacob,
Pilatos que lavará as mãos até ao fim dos tempos,
Caifás com o dedo levantado para anunciar as dúbias sentenças.

De todas as sabedorias apodreci das pela avareza do coração,
O cego que viu o seu rosto subir do fundo das águas,
Lázaro de pé, escapado às garras moles das trevas,
Marta que não tinha um minuto para si
E sua irmã contemplativa que escolhera a melhor parte,
Nicodemo que teria querido compreender
E o centurião que não duvidava!

Tudo está consumado.
O teu corpo traspassado, tirado da cruz,
Desliza para o braços da tua mãe,
De João o filho que lhe legaste,
De Madalena junto daqueles que queima
Como uma torcida de dor.

Ó Maria!
Ser abençoada entre todas as mulheres
Significava que tudo te seria pedido
Para sofrer, saber e aceitar?
Tudo está consumado.
N a colina dos supliciados
Onde o mundo apresenta a si mesmo a morte como espectáculo,
Já só há em teu redor estes três seres imensos
Que irradiarão até ao fim dos dias
E que chorarão,
Ó Cristo,
Irrupção de luz escondida.

ANDRÉ FROSSARD (1915-1995)

sábado, 28 de março de 2020

28 de Março - A certeza de que existes




É-me tão fácil viver contigo, Senhor!
É-me tão fácil crer em Ti!
Quando, na perplexidade, o meu espírito
se oculta ou desfalece
e os mais inteligentes não vêem
mais longe que esta noite e não sabem
o que amanhã será preciso fazer,
do alto me envias a certeza clara
de que existes e velas
por que não se fechem
todas as vias do Bem.
Do cume da glória terrestre,
lanço um olhar atónito para o caminho
que, através do desespero, me conduziu aqui,
de onde também eu pude enviar
a todos os homens o reflexo dos teus raios.
E, se for preciso que os reflicta,
Tu conceder-mo-lo-ás.
Mas, se me faltar o tempo,
será porque a outros entregaste.

ALEXANDER SOLJENITSYNE (1918-2008)

28 Fevereiro - Sob o sol de Satã

Senhor, não é verdade que te tenhamos amaldiçoado; que pereça esse mentiroso, essa falsa testemunha, o teu insignificante rival! Ele ...