quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

28 Fevereiro - Sob o sol de Satã



Senhor, não é verdade que te tenhamos amaldiçoado; que pereça esse mentiroso, essa falsa testemunha, o teu insignificante rival! Ele apanhou-nos tudo, deixa-nos inteiramente nus, e põe na nossa boca uma palavra ímpia. E resta-nos o sofrimento, que e O nosso quinhão comum contigo, o sinal da nossa eleição, herdada dos nossos pais, mais activa do que o fogo casto, incorruptível… A nossa inteligência é grosseira e comum, a nossa credulidade
sem fim e o corruptor subtil, com a sua língua dourada... Nos seu lábios, as palavras familiares tomam o sentido que lhe agrada e a mais belas enganam-nos melhor. Se nos calamos, ele fala por nó e, quando tentamos justificar-nos, o nosso discurso condena-nos. O incomparável raciocinador, desdenhoso de contradizer, diverte-se a arrancar das suas vítimas a sentença das suas mortes. Com ele perecem as palavras pérfidas! É pelo seu grito de dor que se exprime a raça humana, a planta arrancada aos seus flancos por um esforço desmedido. Tu nos lançaste na espessura como um fermento. Polegada a polegada, retomaremos o universo que em pecado nos tirou e devolver-to-emos, tal qual o recebemos, na sua ordem e na sua santidade, na primeira manhã dos dias. Não nos meças o tempo, Senhor! A nossa atenção não se aguenta, o nosso espírito volta-se tão rapidamente! Sem cessar, o olhar espia, à direita e à esquerda, uma saída impossível; sem cessar, um dos teus trabalhadores atira ao chão a sua ferramenta e vai-se embora. Mas a tua piedade nunca se cansa e, por toda a parte, apresentas-nos a ponta da espada; o fugitivo retomará a sua tarefa ou perecerá na solidão... Ah! O inimigo que sabe muitas coisas não saberá aquela! O mais vil dos homens leva consigo o seu segredo, o segredo do sofrimento eficaz, purificador... Porque a tua dor é estéril, Satã!

GEORGES BERNANOS (1888-1948)

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

27 Fevereiro - Sabes quem somos



Senhor, nosso Deus!
Sabes quem somos:
homens
que têm boa consciência
e homens
que têm má consciência,
pessoas contentes e pessoas descontentes,
pessoas com certezas e pessoas ansiosas,
crentes, semicrentes,
e descrentes ...
Agora,
eis-nos todos diante de Ti
nas nossas diferenças,
todos iguais,
porque vivemos todos no nosso erro
diante de Ti,
e uns diante dos outros;
iguais porque, um dia, todos iremos morrer;
iguais porque sem o teu Amor estaríamos todos perdidos;
mas iguais também porque a tua ajuda
foi prometida a todos nós e concedida
em teu Filho bem -amado,
Nosso Senhor Jesus Cristo.

KARL BARTH (1886-1968)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

26 Fevereiro - David vencido



Corro e julgo-me livre; um vento de sonolência
Revolve em mim os pesados ramos do Desejo,
E minha mão, erguendo-se para a árvore de Ciência,
Tem a forma do fruto que gostaria de apanhar.

Mas - graça insidiosa, desumano malefício -
Alguém morrerá por mim que não o conhecia;
No momento de colher o fruto das minhas delícias,
Uma morte bem-amada sob meus passos dormia.

Providência implacável, de artimanhas tão fecunda,
Ó tu, de meu desejo adorável Inimigo
Que soubeste afastar, com um rosto já submisso,
O jugo delicioso e criminoso do mundo.

Deus gigante! Vê, envergonhada, fraca e nua,
Esta criança que te desafia: nem sua funda tem pedra
E seus joelhos estão feridos por antigas orações,
O meu desejo - este David que quer ser vencido.


FRANÇOIS MAURIAC (1885-1970)

domingo, 25 de fevereiro de 2024

25 Fevereiro - Agora que sou velha



Meu Deus,
Que te oferecerei, agora que sou velha?
Que posso eu, perdido o valor e o resto do meu resto vai caindo em pó cada vez mais todos os dias? Que posso oferecer-te, hoje que já nem há um dia, mas uma queda sem piedade de horas perdidas e isoladas de vida?

Ó meu Deus, que te oferecerei?
Oferecer-te-ei a minha destruição segundo a minha vontade e a ordem por Ti prescrita a toda a criatura.
Sopro, gota a gota, oferecer-te-ei o último sacrifício humano num templo sem fiéis onde, para a mais secreta imolação no mais afastado dos tabernáculos, serão Só, serão Um, sacerdote e hóstia, sacrifício e vitima, eu mesma.
Assim seja.


MARIE NOEL

sábado, 24 de fevereiro de 2024

24 Fevereiro - Oração por todas as espécies de necessidades



Meu Deus, venho a Ti para buscar um pouco de ajuda
Com as pobres gentes que me pesam no coração.
Elas sofrem. Não sei onde encontrar o remédio
Para a sua sorte nem como tirar-lhes a sua dor.
Meu Deus, meu Deus, tua piedade vê mais claro que a nossa.

Deponho-os no teu regaço um após outro:
Livra-os do mal, meu Deus, cada um do seu...

- Eu, Senhor? Ó meu Deus, eu não preciso de nada.
É minha vizinha. Ai! Deseja tanto morrer!
Deixou acabar seu pão e não tem mais.
Não sabia servir-se da sua vida
E ficou com seu corpo encerrado,
Sua miséria infinda, seus velhos dias já sem uso.
Ah! Para sair de lá, encontra-nos uma passagem.
Sou pobre e pouco tenho que lhe dar...

- Eu, Senhor? Ó meu Deus, eu não preciso de nada.
É meu irmão doente. Ai! Arrastar o ano
Sempre na mesma estação magra e dolente,
Secar sem fruto, semelhante ao trigo emurchecido
Que não pode levantar-se e jaz sob a erva,
Sabes, ó meu Deus, como a prova é dura?
Mas eu sei e to imploro. Impede que ela dure
Para aquele, fala e sua força voltará...

- Eu, Senhor? Ó meu Deus, eu não preciso de nada.
É a minha amiga enlutada. Pálida na sua casa vazia,
Onde seus olhos já não estão, ela procura sem ver,
Vagueia, espiando o choque surdo da sua pena.
Meu Deus, não a deixes sozinha com a noite,
Mas desce até ela, vai lá imediatamente
Para ajudá-la a chorar; e, enquanto ela chora,
Reata, em segredo, a sua ligação ao mundo...

- Eu, Senhor? Ó meu Deus, eu não preciso de nada.
É a minha irmãzinha que não é nada bonita,
Minha irmã parecida comigo que não é feliz.
É difícil, ó Deus, mesmo quando esquecemos,
Caminhar todos os dias sem o sol no coração,
Passar sem entrar à porta das ternuras.
Ó Pai! Por piedade, que um pouco de amor a acaricie,
Ser feliz um momento far-lhe-ia muto bem...

- Eu, Senhor? Ó meu Deus, eu não preciso de nada.
Meu velho professor... O que leu enchia dez cabeças.
Como ele te servia, ó meu Deus! Melhor que eu,
E era tão bom; bastava-lhe saber que existes.
Não lhe dirás nada que lhe inspire a fé?
Que infeliz! Só tem a si mesmo como luz!
Onde te encontraria ele? Procura-o tu primeiro,
Ó Graça, começa a conversar com ele...

- Eu, Senhor? Ó meu Deus, eu não preciso de nada.
Minha mãe... Um coração sempre quase a dividir-se,
Perdido - como o meu - quando à volta serena tudo.
Na sua turbação, Senhor, quem poderia tomá-lo
E, do fundo da noite, devolvê-lo ao dia?
Mas Tu, que o vês bater na pobre mulher,
Ó meu Deus, prepara, na sombra desta alma,
Uma nova inquietação, depressa, um novo auxílio...

- Eu, Senhor? Ó meu Deus, eu não preciso de nada.
Olha, ó meu Deus, todos os que encontro,
Aqueles com quem paro, a sofrer um instante
E que logo deixo. Senhor, mostro-tos,
Lembra-te deles quando eu me esquecer - e são muitos! -,
Fica com eles enquanto eu passo,
Leva-os até à noite porque já antes estou cansada.
Salva-os a todos por mim que não tenho como...

- Eu, Senhor? Ó meu Deus, eu não preciso de nada.
É verdade, não tive nenhuma sorte nem morada,
Nem nenhum bom caminho desde que me fui,
Nem sequer, talvez, ternura bastante.
- Meu coração tremia tão forte que procurei mal.
É verdade, meu Deus, não tenho nenhum bem
Nem felicidade, nem saúde, nem riqueza. Não importa,
Tenho tudo o que preciso e bem o sabes,
Deus de alegria, ó meu Deus, eu não preciso de nada.


MARIE NOEL (1883-1967)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

23 Fevereiro - Faz com que eu te reconheça



Meu Deus, ser-me-ia tão doce que, no meio do esforço de sentir que, à medida que me desenvolvia, eu ia aumentando a tomada de posse que tens sobre mim; ser-me-ia tão doce, ainda, sob o impulso interior da vida ou entre o jogo favorável dos acontecimentos, abandonar-me à tua Providência. Faz com que, depois de ter descoberto a alegria de todo o crescimento para Vos fazer ou para Vos deixar crescer em mim, aceda sem perturbação a esta última fase da comunhão ao longo da qual te possuirei diminuindo em Ti.

Depois de te ter apercebido como Aquele que é «mais eu mesmo», faz com que, quando chegar a minha hora, eu te reconheça sob as espécies de cada potência, estrangeira ou inimiga, que parecerá querer destruir-me ou suplantar-me. Quando, no meu corpo (e muito mais no meu espírito), o desgaste do tempo começar a deixar as marcas da idade; quando o mal, que diminui ou arrebata, se estabelecer em mim ou à minha volta, ou nascer dentro de mim; no minuto doloroso em que eu repentinamente tomar consciência de que estou doente ou que me tornei velho; sobretudo nesse momento derradeiro, em que sentir que me escapo a mim mesmo, absolutamente passivo nas mãos das grandes forças desconhecidas que me formaram; em todas estas horas sombrias, faz, meu Deus, com que compreenda que és Tu (desde que a minha fé seja suficientemente grande) quem afasta dolorosamente as fibras do meu ser para penetrar até à medula da minha substância, para me arrebatares em Ti.

Sim, quanto mais profundo na minha carne se incrustou e se tornou incurável, tanto mais podes ser Tu quem eu abrigo como um princípio amante, activo, de depuração e afastamento. Quanto mais o futuro se abre diante de mim como uma fresta vertiginosa ou uma passagem escura, tanto mais, se me aventurar na tua palavra, posso confiar para me perder ou me abismar em Ti - ser assimilado pelo teu corpo, Jesus.

Ó Energia do meu Senhor, Força irresistíve1 e viva, porque és o mais infinitamente forte de nós dois, é a Ti que cabe o papel de me consumir na união que deve fundir-nos juntos. Por isso, dá-me algo de mais precioso ainda que a graça por que te oram todos os fiéis. Pois não morro o bastante quando comungo. Ensina-me a comungar, morrendo.

PIERRE TEILHARD DE CHARDIN

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

22 Fevereiro - Oração de São Pedro



Foi por ti que um dia fui p’ra além da praia.
Descobri em ti um mar que eu nem sabia haver.
"Faz-te ao largo, confia em mim."
Disseste e a praia inteira parou.
"Lança as redes, confia em Mim."
Passaste e segredaste-me: "Vem."

Onde iria eu sem Ti, Senhor,
Se Tu falas e eu ouço o mar?
Irei conTigo onde quer que vás,
Onde quer que o vento sopre
Até ao dia em que o mar me levar.

Eis aqui o amigo em quem Tu confiaste
E um dia te negou por medo ou por traição, nem sei.
Mas olhaste e o mar se acalmou,
Em teu perdão, de novo, encontrei
Noutra praia um dia a nascer.
Passaste e segredaste-me: "Vem."

Vi em ti a força e a ambição da rocha
Invencível, eu, contigo a caminhar p’lo mar!
Mas um dia não entendi,
Vieste p’ra me lavar os pés.
Quem és Tu, Senhor? Quem sou eu?
Passaste e segredaste-me "Vem."

Nem sei o que me aconteceu,
Porque calhou ser eu a ter no barco alguém que eras Tu.
Só sei do antes e o depois,
Do antes sensato e o depois a teu lado,
Peixe meio-alado a voar no fundo do mar,
No fundo do mar.

PE. NUNO TOVAR LEMOS


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

21 Fevereiro - Oração a Cristo



Senhor, porque, com todo o instinto e em todas as oportunidades da minha vida, nunca deixei de procurar-te e de colocar-te no coração da Matéria universal, será no deslumbramento de uma Transparência universal e de uma Conflagração universal que terei a alegria de fechar os olhos...
Como se tendo aproximado e posto em contacto os dois pólos, tangível e intangível, externo e interno, do mundo que nos arrasta, tivesse incendiado tudo e tudo desencadeado...
Sob a forma de um «pequenino» nos braços da sua Mãe - conforme com a grande Lei de Nascimento -, entraste, Jesus, na nossa alma de criança. E eis que, repetindo e prolongando em mim o círculo do teu crescimento através da Igreja - eis que a tua humanidade palestiniana foi, pouco a pouco, expandindo por todos os lados, como um
quartzo iriado multifacetado em que a tua Presença, sem nada destruir, penetrava, sobreanimando uma outra presença desconhecida em volta de mim...
Tudo isto porque, num universo que a mim se descobria em estado de convergência, Tu tomaste, por direitos de Ressurreição, a posição dominadora do centro total em que tudo se reúne! [...]
Antes e acima de si, a humanidade, tendo subido à consciência do movimento que a move, tem cada vez maior necessidade de um sentido e de uma solução a que lhe seja possível dedicar-se plenamente.
Pois bem! Este Deus, não somente do velho cosmos, mas da cosmogénese nova (na própria medida em que o efeito de um trabalho místico duas vezes milenar é fazer aparecer em Ti, no Menino de Belém e no Crucificado, o Princípio motor e o Núcleo colector do próprio mundo) - este Deus tão esperado pela nossa geração, não serás Tu, Jesus, muito justamente, quem o representa e quem no-lo traz?


PIERRE TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955)

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

20 Fevereiro - Pastorinhos de Fátima



Jacinta e Francisco, Pastorinhos de Fátima, queremos aprender convosco o caminho que nos leva a uma vida de verdadeira união com Jesus.

Ensina-nos Jacinta, a amar os outros com todo o nosso coração,
a reconhecer neles o Amor de Deus e a dar a vida para que nenhum se perca.
Ensina-nos a desejar tão intensamente como tu a conversão dos pecadores,
a começar por cada um de nós.

Ensina-nos, Francisco, o teu enorme amor, fiel e silencioso, por Jesus.
Faz-nos desejar cada vez mais a sua companhia na oração e identificar-nos
com a dor do seu Coração ferido pela ingratidão dos homens.
Pastorinhos de Fátima, pela vossa mão queremos entrar cada vez mais no coração de Maria, nosso refúgio, que nos há de conduzir até Deus. Ámen.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

19 Fevereiro - Para que todos sejam um



Senhor Jesus, que, na véspera de morrer por nós, oraste para que todos os teus discípulos fossem perfeitamente um, como Tu no teu Pai e o teu Pai em Ti, faz com que sintamos dolorosamente a infidelidade da nossa desunião.

Dá-nos a lealdade de reconhecer e a coragem de rejeitar o que em nós existe de indiferença, de desconfiança e até de hostilidade.

Concede-nos que todos nos renovemos em Ti, para que, das nossas almas e dos nossos lábios, suba incessantemente a tua oração pela unidade dos cristãos, tal como a queres, através dos meios que queres.

Faz com que encontremos em Ti, que és a caridade perfeita, o caminho que conduz à unidade na obediência ao teu Amor e à tua Verdade.
Ámen.


PAUL COUTURIER (1881-1953)

domingo, 18 de fevereiro de 2024

18 Fevereiro - Ó meu Deus, Trindade que adoro



Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajuda-me a esquecer-me inteiramente de mim para me estabelecer em Ti, imóvel e sereno, como se já minh'alma estivesse na eternidade! Que nada possa perturbar a minha paz nem me obrigue a sair de Ti, ó meu Inamovível, mas que cada minuto me mergulhe cada vez mais nas profundezas do teu Mistério!
Pacifica a minh' alma, faz dela o teu céu, a tua morada querida e o lugar do teu repouso; que nela eu nunca te deixe sozinho, mas esteja lá toda inteira, bem desperta na minha fé, toda adorante e totalmente entregue à tua Acção criadora.
Ó meu Cristo amado, crucificado por amor, eu queria ser uma esposa para o teu Coração; queria cobrir-te de glória, queria amar-te... até morrer de amor! Mas sinto a minha impotência e peço-te que me revistas de Ti, que identifiques a minha alma com todos os movimentos da tua alma, me submirjas, me invadas, te substituas em mim, para que a minha vida seja apenas uma irradiação da tua. Vem a mim como Adorador, como Reparador e como Salvador. Ó Verbo eterno, Palavra do meu Deus, quero passar a minha vida a escutar-te, quero tornar-me capaz de ser plenamente aluna para tudo aprender de Ti. Depois, através de todas as noites, de todas as vidas, de todas as impotências, quero fixar-te sempre e permanecer sob a tua grande luz. Ó meu Astro amado, fascina-me para que nunca mais possa sair da tua irradiação.
Ó fogo consumidor, Espírito de amor, surge em mim para que se faça na minh'alma a encarnação do Verbo; que eu seja para Ele mais outra humanidade, na qual Ele renove todo o seu mistério. E Tu, ó Pai, inclina-te sobre a tua pobre criaturinha, cobre-a com a tua sombra, não vejas nela mais que o Bem-Amado em quem puseste todas as tuas
complacências.
Ó meus Três, meu Tudo, minha Bem-Aventurança, Solidão infinita, Imensidão em que me perco, entrego-me a Ti como uma presa. Sepulta-te em mim para que me sepulte em Ti, enquanto espero ir contemplar na tua luz o abismo das tuas grandezas.

ISABEL DA TRINDADE (1880-1906)

sábado, 17 de fevereiro de 2024

17 Fevereiro - Se tu falasses Senhor



Se Tu falasse, Senhor, escutar-te-ia muito bem,
Porque toda a voz humana prà minh' alma se calou,
Fico só junto da minha força abatida,
Deixei todo o apoio, quebrei os elos todos.

Meu coração meditativo que bebe a luz
Ter-te-ia absorvido, sim, quebrando as leis,
Como o vento das noites que penetra nas pedras
Teu verbo inflamado descesse sobre mim!

Nada te ansiava com tanta indigência:
Ter-te-ia festejado ao som do timbale
Se, no meu triste e laborioso silêncio,
Tivesse ouvido a tua voz e conhecido o teu nome.

Por mais forte que fosse a sombra nos teus rostos,
Sublime Trindade, eu teria afastado a noite;
Meu espírito teria prosseguido sem fadiga
E eu teria aportado à tua luminosa margem.

Mas nunca nada em mim te revelou,
Senhor! Nem o céu pesado como água parada,
Nem a exaltação do Verão sobre os trigais,
Nem o templo jónico na montanha agreste;

Nem os sinos que são um incenso cadenciado,
Nem a coragem humana, nunca recompensada,
Nem os mortos, cujo silêncio hostil e penetrante
Parece uma renúncia invencível e cansada;

Nem as noites em que o espírito sustém como uma prova
A sua aspiração ao bem universal;
Nem a Lua que sonha e vê passar o rio
Dos beijos furtivos sob os céus eternos.

Mas, ai! Nem estas manhãs da minha infância ardente,
Onde, nos prados inundados com uma nuvem de perfume,
Eu sentia, tanto o êxtase em mim jogava sua lança,
Um anjo nos céus que me arrancava o coração!

Mas tem piedade! Que a tua mão pendente
Venha guiar minha sorte dolorosa e desbotada:
Anseio por Ti, Esplendor, Razão deslumbrante!
Mas não te vejo, ó meu Deus! E canto
Por causa do vazio infinito!

ANNA DE NOAILLES (1876-1933) 

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

16 Fevereiro - Oração pelos animais



Escuta, ó Deus, a nossa humilde oração,
Pelos nossos amigos, os animais,
Sobretudo pelos que sofrem;
Pelos que são caçados ou se perdem,
São abandonados, têm medo ou fome;
Pelos que irão ser mortos.
Para eles imploramos a tua misericórdia e a tua piedade.
Dá a quem está com eles
Um coração compassivo, mãos delicadas
E palavras de afecto.
Faz de nós verdadeiros amigos dos animais,
De modo que possamos partilhar com eles
A bênção da tua graça.


ATRIBUÍDO A ALBERT SCHWEITZER (1875-1965)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

15 de Fevereiro - Ó Espírito, ó Amor



Ó Espírito, ó Amor! O Verdade do meu Deus! O Amor luz!
Ó Amor que, sem falar, ensinas a alma, que fazes com que ela entenda tudo sem nada dizeres, que não pedes nada à alma e a conduzes através do silêncio a todo o sacrifício!

Ó Amor que enfastias de qualquer outro amor, que fazes odiá-lo, esquecê-lo, abandoná-lo! Ó Amor que corres através do coração, como a fonte de vida, quem poderá conhecer-te senão aquele em quem estiveres? Calai-vos, homens cegos; em vós não há nenhum amor. Não sabeis o que dizeis: não vedes nada, nada ouvis. O verdadeiro Mestre nunca vos ensinou.

É Ele quem sacia a alma de Verdade sem nenhuma ciência distinta.
É Ele quem faz nascer no fundo da alma as verdades que a palavra sensível de Jesus Cristo só expunha aos olhos do espírito.

Saboreamos, alimentamo-nos e tornamo-nos uma só coisa com a Verdade. E já não é ela que vemos como um objecto fora de si; é ela que se torna nós mesmos e que nos sentimos intimamente como a alma se sente a si mesma. Ó que poderosa consolação sem procurar consolar-se!

Temos tudo sem nada ter. Então, encontramos em unidade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo: o Pai Criador, que cria em nós tudo o que quer fazer para nos tornar filhos semelhantes a Ele; o Filho, Verbo de Deus, que se tornou o Verbo e a palavra íntima da alma, que se cala a tudo para só deixar Deus falar; finalmente, o Espírito, que sopra onde
quer, que ama o Pai e o Filho em nós.

Ó meu Amor, que és o meu Amor, ama-te, glorifica-te a Ti mesmo em mim! A minha paz, a minha alegria e a minha vida estão em Ti, que és o meu Tudo e eu já não sou nada.

FRANÇOIS FÉNELON

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

14 de Fevereiro - Correrei para Ti



Senhor Jesus,
Sou pequeno e Tu também;
Sou fraco e Tu também;
Sou homem e Tu também;
Além disso, sou pobre e Tu também.

Toda a minha grandeza é tão-somente pequenez;
Toda a minha força não é mais do que fraqueza;
Toda a minha sabedoria é apenas loucura diante de mim!

Correrei para Ti, Senhor,
Tu que curas os doentes, fortaleces os fracos
E voltas a dar alegria aos corações aflitos.

Seguir-te-ei, Senhor Jesus.


AElRED DE RIEVAUlX (1109-1166)

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

13 Fevereiro - Hino para as Laudes



Noite escura, trevas opacas fugi,
Que o dia se aproxima e o Olimpo já alvesce;
E vós, demónios, voltai às vossas funéreas prisões:
Um Deus nos libertou do vosso império terrível.

O Sol rasga a sombra escura;
E os raios brilhantes que lança nos ares
Rompendo o véu espesso que a natureza cobria,
Voltam a dar cor e alma ao universo.

Ó Cristo, nossa única luz,
Só reconhecemos tuas santas claridades.
O nosso espírito é-te submisso; ouve a nossa oração,
E junge nossas vontades à tua divina canga.

Nossa alma criminosa, vezes sem conta,
Adormece temerária na sua falsa virtude;
Apressa-te a iluminar, ó lume eterno,
Os infelizes sentados nas sombras da morte.

Glória a Ti, Trindade profunda,
Pai, Filho, Espírito Santo: sempre te adoremos,
Enquanto o astro do tempo iluminar o mundo
E até depois de os séculos terminarem o seu curso.

JEAN RACINE

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

12 de Fevereiro - As obras das tuas mãos



Grande é o nosso Deus, grande é o seu poder
e a sua Sabedoria é infinita.
Louvai-o, ó céus!
Louvai -o, Sol, Lua e planetas,
na língua que vos foi dada
para louvar o vosso Criador.

E também tu, minh'alma, canta,
canta o mais que puderes a honra do Senhor.

Dele e para Ele são todas as coisas,
mesmo as que ainda nos são desconhecidas
e as que já conhecemos.

A Ele Louvor, Honra e Glória
pelos séculos dos séculos.


JOHANNES KEPLER (1567-1622)

domingo, 11 de fevereiro de 2024

11 de Fevereiro - Oração de Arrependimento



Senhor do meu amor, a quem em vassalagem
O teu mérito tão fortemente meus deveres subjugou,
Envio-te estas linhas em penhor
Dos meus deveres e não para exibir o meu espírito:
Deveres tão grandes, que ao meu espírito estéril
Custa encontrar as palavras que os possam enfeitar;
Mas espero no teu coração que algum traço hábil
As enriqueça, cobrindo-lhe a nudez.
Quando, para me guiar, brilhar o astro, seja qual for,
Tocando-me com sua graça, embelezará meus traços,
E, vestindo em grande estilo meu amor em farrapos,
Com um serviço tão doce me mostrará
Como te amo. Então, ousarei proclamá-lo;
Mas, antes, evitarás, temendo ser provado.


WILLlAM SHAKESPEARE (1564-1616)

sábado, 10 de fevereiro de 2024

10 de Fevereiro - Oração da alma



Meus são os céus e minha a terra,
E meus são os povos;
Os justos são meus e meus os pecadores;
Os anjos são meus,
E a Mãe de Deus e todas as criaturas são minhas,
E o próprio Deus é meu e para mim,
Porque Cristo é meu e todo inteiro para mim.

Então, minh'alma, que demandas e procuras?
Tudo isto é teu e tudo para ti.
Não te julgues menor.
Não te contentes com as migalhas que caem da mesa do teu Pai.

Sai cá para fora e glorifica-te na tua glória.
Esconde-te nela e vive na alegria
E alcançarás o que o teu coração deseja.


JOÃO DA CRUZ 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

9 de Fevereiro - Oração



Meu Deus! Embora muitos homens não te descubram neste belo espectáculo que lhes dás da natureza inteira, não é porque estejas longe de cada um de nós. [ ... ] Por toda a parte te manifestas e em toda a parte os homens distraídos descuram perceber-te. Toda a natureza fala de Ti e ecoa o teu Santo Nome; mas fala a surdos, cuja surdez deriva do seu próprio aturdimento. Estás junto deles e dentro deles; mas são esquivos e vagueiam fora de si mesmos, longe do seu coração. Encontrar-te-iam - ó doce luz, ó beleza eterna, sempre antiga e sempre nova, ó fonte das castas delícias, ó vida pura e bem-aventurada de todos que vivem verdadeiramente -, se te procurassem dentro de si próprios. Mas os ímpios só te perdem quando se perdem. Ai de mim! Os teus dons, que lhes mostram a mão de onde eles vêm, divertem-nos tanto que os impedem de ver: vivem de Ti, mas vivem sem pensar em Ti: ou, antes, morrem junto da vida, por não se alimentarem dela; porque ignorar-te não será estar morto?
[...]
Portanto, se não fosses mais que um ser grosseiro, frágil e inanimado, mais que uma massa inerte, mais que uma sombra do ser, a tua natureza vã ocuparia a sua vacuidade. Serias um objecto proporcionado aos seus pensamentos baixos e brutais; mas, porque estás bem dentro deles, onde eles nunca entram, és para eles um Deus desconhecido; porque este fundo íntimo deles próprios é o lugar mais afastado da sua vista, no desvario em que se encontram. A ordem e a beleza que difundes sobre a face das tuas criaturas são como um véu que te oculta aos seus olhos doentes. E então? Estará cega a luz que deveria iluminá-los? Será que os raios do próprio Solos impedem de te ver?
Por fim, porque és uma verdade demasiado elevada e demasiado pura para passar pelos seus sentidos grosseiros, os homens tornados semelhantes aos animais não podem conceber-te; como se, todos os dias, o homem não conhecesse a sabedoria e a virtude, sobre que nenhum dos seus sentidos poderá alguma vez dar testemunho, porque elas não são nem som, nem cor, nem odor, nem figura, nem nenhuma qualidade sensível. E porquê? Porquê, meu Deus, duvidar mais de Ti do que de outras coisas, muito reais e muito manifestas, que supomos muito verdadeiras em todas as questões mais sérias da vida e que, tanto como Tu, escapam aos nossos débeis sentidos? Ó miséria! Ó noite medonha que envolve os filhos de Adão: ó monstruosa estupidez! Ó subversão do homem todo! O homem não tem dois olhos só para ver sombras e para a verdade lhe parecer um fantasma: o que não é nada, para ele é tudo; o que é tudo, não lhe parece nada? Que vejo eu em toda a natureza? Deus em toda a parte e, uma vez mais, só Deus!


FRANÇOIS FÉNELON (1651-1715)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

8 de Fevereiro - Lamentos de um cristão sobre as contradições que sente dentro de si mesmo



Meu Deus, que guerra cruel!
Em mim vejo dois homens:
Um quer que, cheio de amor por Ti,
Meu coração sempre te seja fiel;
O outro, às tuas vontades rebelde,
Revolta-me contra a tua lei.
Um, todo espírito e todo celeste,
Quer que, ligado constantemente ao céu
E tocado pelos bens do alto,
Para nada conte todo o resto;
O outro, com seu peso funesto,
Mantém-me agarrado bem à terra.
Ai de mim! Em guerra comigo mesmo,
Onde poderei encontrar paz?
Quero e nunca cumpro.
Quero, mas - ó miséria extrema! -
Não faço o bem que amo
E faço o mal que odeio.
Ó graça, ó raio salvador!
Vem tornar-me conforme comigo,
E, domando com um suave esforço
Este homem tão contrário a Ti,
Faz teu escravo voluntário
Este escravo da morte.


JEAN RACINE (1639-1699)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

7 de Fevereiro - Senhor não te esqueças de mim



Senhor, não te esquecerás dos meus problemas quando eu trato dos teus.
Não os esqueceste, mesmo quando eu não atendia aos meus nem aos teus; mesmo quando eu arruinava os meus negócios e adiava os teus.
Quantas vezes derrubei o que tinhas edificado!
Quantas vezes profanei o que tinhas santificado!
Muitas vezes adiei a conclusão da tua obra.
Eis-me na tua presença, consciente dos males que causei.
Ponho-me nas tuas mãos como um instrumento pronto a seguir todos os teus movimentos. Ensina-me a reparar as desordens e dá-me a honra de me empregar nos serviços da tua casa. Anima-me com o teu espírito, ilumina-me e fortalece-me.


NICOLAS MALEBRANCHE (1638-1715)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

6 de Fevereiro - O silêncio é o teu louvor



Deus Todo-Poderoso, calo-me na tua santa presença,
Não ouso respirar e a minha alma em silêncio
Admira a altura do teu nome glorioso.
Que diria eu? Abismados neste mar profundo,
Enquanto no infinito a tua claridade nos inunda,
Podemos somente abrir os nossos frágeis olhos?

Se eu pretendo cantar teus divinos louvores
E se, já misturada nos coros dos anjos,
Minha voz ousar num cântico se elevar,
Que então, para o entoar, minha língua se desate;
Mas ouço ecoar um canto que meu coração renega
E a minha trémula voz só consegue gaguejar.

Maravilhosa alteração: esmagado pela tua glória,
De toda a linguagem humana já perdi a memória;
Proibido, desvairado, nem palavra articulo:
A, a, a, meu discurso nem força tem, nem seguimento;
Aos meus gritos infantis se reduziu minha voz
E tudo se transforma em sons confusos.

Quanto mais volto para Ti meu sublime pensamento,
Mais de tua majestade o vejo ultrapassado,
Confundir-se a si mesmo e cair sem esperança:
De Ti me abeiro tremendo, ó luz inacessível;
Não vejo no seu fundo o Ser incompreensível
Nem meus olhos perdidos já encontram dia.

Parai: que esperais das vossas incertezas,
Vãos pensadores, vãos esforços, inúteis estudos?
Basta que Ele tenha dito: «Eu sou Aquele que sou.»
Ele é tudo, Ele é nada de tudo o que penso.
Adorador sujeito à fé, me inicio,
E, como amante, já não raciocino, continuo.

Eterno, três vezes santo, só de Ti conhecido,
Que eu te ame, poderoso motor dos corações.
Mas, quando me render às tuas seduções,
Nunca mais serás tão amado quanto amável;
Nos nossos espíritos, só o teu Espírito adorável
Derramou o dom de um amor nunca ouvido.

Desce, Espírito Divino, chama celeste e pura,
Unção invencível que em segredo peço.
E Tu que, na eterna morada, o produzes,
Dá tua presença a minh'alma impotente,
Faz dela, porque podes, fiel amante
E ame sem limite um Deus que é só amor.


JACQUES BÉNIGNE BOSSUET (1627-1704)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

5 de Fevereiro - O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob



Ano da graça de 1654,
segunda-feira, 23 de Novembro, dia de São Clemente, papa e mártir, e outros do martirológio.
Véspera de São Crisógono, mártir, e outros.
Depois das dez horas e meia da noite até cerca da meia-noite e meia,
FOGO.
«Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob»,
não dos filósofos e dos sábios.
Certeza. Certeza. Sentimento. Alegria. Paz.
Deus de Jesus Cristo.
Deum meum et Deum oestrum.
«O teu Deus será meu Deus.»
Esquecimento do mundo e de tudo, além de Deus.
E que só se encontra nos caminhos ensinados no Evangelho.
Grandeza da alma humana.
«Pai santo, o mundo não te conheceu, mas eu conheci-te.»
Alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria.
Separei-me disso.
Derelinquerunt me fontem aquae vivae.
«Meu Deus, irás abandonar-me?»
Que eu não seja separado de Ti eternamente.
«Esta é a vida eterna: que te conheçam
como verdadeiro Deus, aquele que Tu enviaste, Jesus Cristo.»
Jesus Cristo.
Jesus Cristo.
Separei-me de ti; evitei-te, renunciei, crucificado.
Que nunca eu seja separado dele.
Ele só se conserva através dos caminhos ensinados no Evangelho:
Renúncia total e submissa.
Submissão total a Jesus Cristo e ao meu director [espiritual].
Eternamente alegre por um dia de exercício na terra.
Non obliviscar sermones tuos. Ámen.


BLAISE PASCAL (1623-1662)

domingo, 4 de fevereiro de 2024

4 de Fevereiro - Quando estiver entre os mortos



Participei na tua morte: irás Tu perder o seu fruto?
Queres condenar-me à noite eterna,
A mim, por quem a tua bondade fez tamanho esforço?
Não descansaste enquanto me procuraste;
Só sofreste a Cruz para me tornar digno
De uma felicidade que possa ligar-me a Ti.

Poderias facilmente perder-me e vingar-te.
Não o faças, Senhor; mas vem aliviar
O fardo sob que sinto minh'alma sucumbir.
Já neste mundo incerto, garante-me a salvação;
Mesmo contra mim, impede que meu coração caia
E te obrigue, por fim, a retirares a mão.

Antes do dia das contas, apaga toda a minha.
Quando a ilustre pecadora apresentou a sua,
Foi perdoada pelo seu amor extremo;
O ladrão pediu-te e Tu o escutaste.
A oração e o amor têm um encanto supremo.

Envergonha-me, é verdade, esta esperança lisonjeira.
A vergonha de me ver, infiel e mentiroso,
E também o meu pecado, lêem-se no meu rosto:
Contudo, insisto e nunca deixarei
Que tua bondade, usando todos os meios,
Não brilhe a meu favor e não me escute.

Faz com que me coloquem à direita no número das ovelhas;
Separa-me dos bodes reprovados e malditos.
Vês minha prece humilde e meu coração contrito;
Faz-me perseverar neste justo remorso;
A Ti deixo que cuides da minha hora derradeira,
Não me abandones quando for prà casa dos mortos.


LA FONTAINE (1621-1695)

sábado, 3 de fevereiro de 2024

3 de Fevereiro - A quem gritarei Senhor



A quem gritarei, Senhor, a quem recorrerei, se não for a Ti? Tudo o que não for Deus não pode preencher a minha expectativa. E o próprio Deus quem me demanda e eu procuro; e é só a Ti, meu Deus, que me dirijo para te alcançar. Abre o meu coração, Senhor; entra nesta praça rebelde ocupada pelos vícios que a mantêm dominada; entra nela como na casa-forte; mas, antes, toma o forte e prende o poderoso inimigo que a domina e recolhe os tesouros que lá estão. Senhor, toma as minhas afeições que o mundo me tinha roubado; rouba Tu mesmo este tesouro ou, melhor, retoma-o, porque te pertence, como um tributo que te devo, porque, Senhor, foste Tu quem nele imprimiste a tua imagem no momento do meu baptismo que é o meu segundo nascimento; mas que já está totalmente apagada. A ideia do mundo está de tal modo gravada nela que tornou a vossa irreconhecível. Só Tu
pudeste criar a minha alma: só Tu podes criá-la novamente; só Tu pudeste formar nela a tua imagem: só Tu podes reformá-la e reimprimir o teu retrato apagado, quer dizer, Jesus Cristo, que é a tua imagem e o carácter da tua substância.


BLAISE PASCAL

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

2 de Fevereiro - Apresentação do Senhor - Oração a Maria



Ó Maria, graças à tua luz,
Não foste uma virgem louca, mas uma virgem prudente
Porque perguntaste ao Anjo
Como se faria o que ele anunciava.
Não ignoravas que tudo era possível
À omnipotência de Deus,
Nem sobre isso tinhas dúvida alguma.
Por isso, porque dizias: «Não conheço homem»? [Lucas 1,34]
Não era falta de fé,
Mas a tua humildade to fazia dizer;
Crias no poder de Deus
E só pensavas na tua indignidade.

Ó Maria, as palavras do Anjo perturbaram-te.
De onde veio esta perturbação? Do medo?
Não parece: antes, parece-me, que da luz de Deus.
Isso não era de medo, mas de admiração.
E de que te admiravas?
Da imensidão da bondade de Deus.
Estavas perturbada
Ao ver quanto eras indigna da graça
Que Ele te oferecia.
Esta comparação da tua indignidade e da tua fraqueza
Com o milagre inefável da graça inefável,
Enchia-te de confusão.
A tua pergunta provava a tua humildade profunda.
Estavas, não amedrontada,
Mas espantada com a imensidão da bondade de Deus,
Que comparavas à tua pequenez e ao nada da tua virtude.

Assim, ó Maria, tornaste-te o livro em que a nossa regra está escrita.
Porque em ti está gravada a sabedoria do Pai Eterno,
Em ti se manifesta a dignidade, a força e a liberdade do homem.

CATARINA DE SENA

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

1 de Fevereiro - Quem me dará...



Quem me dará a graça para que eu possa de algum modo aliviar o meu Salvador aflito? Ser-me-á permitido tomar as minhas roupas mais preciosas para cobrir a tua nudez?
Terei bálsamo excelente para ungir as tuas chagas? Estarei perto de Ti na cruz para receber teu corpo nos meus braços, para que o seu peso não rasgue ainda mais as chagas dos teus pés e das tuas mãos? Mas, sobretudo, que eu possa impedir os pecadores de ofender tanto o teu coração.
Mas, Senhor, porque me deleitei nestes desejos, se não tenho a força de praticar um só deles?!
Como vos daria minhas vestes preciosas, eu que nunca dei nada por mais vil e usado aos teus pobres?
Na cruz, não mos pediste e agora ofereço-tos; nos teus pobres mos pediste e eu neguei-tos.
Ó vãs e miseráveis ofertas que são meras aparências! De facto, não são mais que zombarias!
Como espalharia eu bálsamo nas tuas chagas, se nunca dei um copo de água aos teus pobres?
Como quereria ajudar-te na cruz, se é da cruz que fujo sempre?

Será, porventura, a minha iniquidade assim tão grande? Oh! Como sou miserável por nela ter mergulhado tantas vezes!
Senhor, quem, a não ser Tu, me livrará deste labirinto?
Oh, como sofres, Senhor, para me livrar do Inferno e me livrar da perdição!
E eu, miserável, quanto sofro para chegar lá! Tudo o que sofri até ao presente foi somente para minha perdição.
Não, Tu queres salvar-me, Senhor. Faça-se a tua vontade!


FRANCISCO DE SALES (1567-1622)

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

31 de Janeiro - Oração da noite



Senhor Deus, já que te agradou criar a noite para o repouso do homem, como ordenaste o dia para o seu trabalho, digna-te conceder ao meu corpo uma noite de repouso em que a minha alma se eleva a Ti e o meu coração seja cumulado pelo teu amor.

Ensina-me, ó Deus, a confiar-te todas as minhas preocupações terrestres e a lembrar-me sem cessar da tua misericórdia, a fim de que a minha alma possa, também ela, gozar o repouso espiritual. Faz com que o meu sono não seja exagerado, mas que sirva para reparar as minhas forças, para que eu esteja mais disposto a servir-te. Que te agrade igualmente conservar-me puro no corpo e no espírito, preservando-me de todas as tentações e de todos os perigos para que o meu sono seja para glória do teu nome.

E já que este dia não passou sem que eu - que sou um pobre pecador - não te tenha ofendido de muitas maneiras, tem a bondade, ó Deus, de igualmente esconder agora todas as coisas nas trevas da noite e de também sepultar todos os meus pecados, segundo a tua misericórdia, para que eu não seja afastado da tua face.
Ouve-me, meu Deus, meu Pai, meu Salvador, em nome de Jesus Cristo, o teu Filho bem-amado. Ámen.

JOÃO CALVINO (1509-1564)

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

30 de Janeiro - O espanto, primeiro passo da fé



É possível aproximar-nos de Deus? É a primeira pergunta que pode fazer aquele que quiser rezar sem cair na ilusão. Mas segue-se, uma segunda, de imediato: é verdade que Deus se interessa pelos homens? Os Salmos bíblicos já se espantavam com isso e, por esse motivo, davam graças. Não é apenas a fé que é paradoxal: é Deus.

Como és tu lareira de fogo
e frescura da fonte,
uma queimadura, uma doçura
que torna sã as nossas máculas?

Como fazes do homem um deus,
da noite uma luz,
e dos abismos da morte
tiras uma nova luz?

Como a noite vem do dia?
Podes tu vencer as trevas,
levar a chama até ao coração
e mudar o fundo do ser?

Não sendo tu um de nós,
como nos entregas o filho de Deus?
Como nos abrasas tu de amor
e nos feres sem gláudio?

Como podes tu suportar-nos,
ficar calmo na cólera,
e de algures onde tu podes
ver-nos nos mais pequenos gestos?

Como de alto e de longe
o teu olhar segue-nos os actos?
O teu servidor espera a paz,
a coragem nas armas!

Segundo Simeão, o Novo Teólogo (949-1022)

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

29 de Janeiro - Ó Tu, que estás para além de tudo





Ó Tu, que estás para além de tudo,
não está lá tudo o que podemos cantar de ti?

Que hino te dirá, que língua?
Nenhuma palavra te exprime.

A que se agarrará o espírito?
Tu estás para além de toda a inteligência.

Só tu és indizível,
porque tudo o que se diz saiu de ti.

Só tu não podes ser conhecido,
porque tudo o que se pensa saiu de ti.

Todos os seres te proclamam,
aqueles que falam e aqueles que são mudos.

Todos os seres te prestam homenagem,
aqueles que pensam e aqueles que não têm pensamento.

O desejo universal,
o universal gemido tende para ti.

Tudo o que existe te reza,
e para ti todo o ser que pensa o teu universo
faz subir um hino de silêncio.

Tudo o que permanece, permanece por ti.
Por ti subsiste o universal movimento.

De todos os seres, tu és o fim.
Tu és todos os seres, e não és nenhum deles.

Tu não és um único ser.
Tu não és o seu conjunto.

Tu tens todos os nomes e que nome te darei,
tu o único a quem não se pode dar um nome?

Que espírito celeste poderá penetrar as nuvens
que cobrem o próprio céu?

Tem piedade, ó tu, que estás para além de tudo:
não é tudo o que podemos cantar de ti?

São Gregório de Nazianzo (329-390), padres da Igreja


domingo, 28 de janeiro de 2024

28 de Janeiro - Oração de São Tomás de Aquino




Concedei-me, ó Deus omnipotente e misericordioso,
ardentemente desejar, prudentemente descobrir,
verazmente conhecer e perfeitamente realizar
o que for do vosso agrado.

Para louvor e glória do vosso nome,
ordenai meu estado de vida e dai-me saber,
poder e querer o que me pedis que faça.
E dai-me levá-lo a cabo como convém
à salvação de minha alma.

Que o meu caminho até vós seja reto e seguro.
Que eu não sucumba na prosperidade nem na adversidade,
a fim de não me ensoberbecer na primeira nem desesperar na segunda.
Que na fortuna eu vos renda graças
e na dificuldade mantenha a paciência.
Que eu de nada me alegre ou entristeça
senão do que me leve a vós ou afaste de vós.
Que a ninguém deseje agradar nem tema aborrecer
senão somente a vós.

Dai-me tudo fazer com caridade
e o que não diz respeito ao vosso culto, reputá-lo como morto.
Dai-me praticar minhas ações, não por costume,
mas referindo-as a vós com devoção.

Que por vós eu não dê valor às coisas transitórias,
e me seja caro tudo o que vos diz respeito.
Que me compraza, mais do que tudo, todo trabalho que for para vós
e me aborreça todo descanso que não seja em vós.

Dai-me, dulcíssimo Senhor,
dirigir-vos meu coração frequente e ferventemente e,
de alma contrita, emendar com firme propósito a minha fraqueza.
Fazei-me, ó Deus, humilde sem fingimento;
alegre sem dissipação; grave sem depressão;
maduro sem severidade; vivaz sem leviandade;
veraz sem duplicidade; temente sem desespero;
confiante sem presunção; casto sem corrupção;
corrigir ao próximo sem indignação
e edificá-lo por exemplo e palavra sem exageração;
obediente sem contradição; paciente sem murmuração.

Dai-me, dulcíssimo Jesus, um coração desperto,
para que nenhuma vã curiosidade o afaste de vós;
imóvel, para que não ceda a nenhum afeto indigno;
infatigável, para que não sucumba em nenhuma tribulação;
livre, para que dele não se apodere nenhum prazer violento;
e reto, para que não o faça desviar-se nenhuma má intenção.

Concedei-me, dulcíssimo Deus,
inteligência para conhecer-vos;
diligência para buscar-vos;
sabedoria para encontrar-vos;
bondade para agradar-vos;
perseverança para esperar-vos doce e fielmente;
confiança para alcançar-vos felizmente.

Fazei-me, pela penitência, suportar vossas penas;
utilizar vossos benefícios nesta vida pela graça;
e por fim, na pátria eterna, desfrutar de vossos gozos pela glória.
Vós, que com o Pai e o Espírito Santo
viveis e reinais pelos séculos dos séculos. Amém.

São Tomás de Aquino, doutor da Igreja (1225-1274)

sábado, 27 de janeiro de 2024

27 de Janeiro - Quando as crianças traduzem o pai-nosso




Pai de todos os homens, que o teu nome seja louvado,
que todos os homens te conheçam,
que saibamos ouvir o que tu nos pedes.
Dá-nos o que é bom para nós,
perdoa-nos como nós
perdoamos também
àqueles que nos fizerem mal.
Não nos deixes
afastar-nos de ti, mas
dá-nos
a tua força.
Assim o creio.

Jornal parroquial de Bourg-de-Bigorre, Arc-en-Ciel, nº 86, Março de 2003

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

26 de Janeiro - O pai nosso num contexto de ditadura




Pai nosso, Pai muito bom,
que fazes bilhar o sol
sobre justos e pecadores,
Pai de todos, Pai único de todos aqueles que têm pensamentos diferentes,
Pai que procuras menos ser o meu ou o teu
do que ser antes de tudo: Nosso Pai,
santificado seja o teu Nome.

Meu Deus,
imploramos-te até perder o fôlego,
nós que rogamos pela paz:
que a tua Vontade e o teu Reino
se realizem rapidamente sobre a nossa terra
deixando-nos penetrar pelo amor
que o teu Espírito nos dá.

Dá-nos, Pai, o pão nosso de cada dia:
o pão da tua Palavra,
que alimenta de verdade a inteligência,
e enraíza no amor a tua Vontade;
o pão consagrado do teu Corpo,
que dá vida em plenitude;
e o pão de farinha,
que aplaca a fome das crianças,
reforça o crescimento dos jovens
e traz a paz aos lares.

Pai, perdoa as nossas ofensas.
Reconhecer a nossa maldade pesa-nos;
os nossos erros e as nossas faltas humilham-nos;
mas tu, que conheces as nossas frazquezas, saberás perdoar.

Pai, as nossas ofensas ferem os nossos irmãos
e alteram a convivência nacional;
as ofensas aos pobres e desamparados,
as ofensas que nos separam, que nos dividem,
nos afastam uns dos outros
e impedem a aproximação fraternal.

Pai, que esta prece
que elevamos pelo Chile
lave a alma da nação,
essa alma tão bela, tão simples, tão solidária,
que é maculada pelo terrorismo,
o ódio e o rancor…

Mesmo que isso nos custe, nos humilhe e nos pese,
ajuda-nos a perdoar,
Porque devemos caminhar todos juntos
Para construir a nova sociedade
onde reinam o amor, a justiça e a paz.
Livra-nos de todo o Mal
e da tentação de o fazer;
que nunca digamos
mentira em vez de verdade
nem paguemos o mal com o mal.

Pai nosso, a ti o único Deus soberano,
a glória hoje e para sempre,
a ti a honra e o poder. Ámen!

Cardeal Fresno Larrain (1914-2004), aecebispo de Santiago do Chile (1983-1990)

28 Fevereiro - Sob o sol de Satã

Senhor, não é verdade que te tenhamos amaldiçoado; que pereça esse mentiroso, essa falsa testemunha, o teu insignificante rival! Ele ...