Meu Deus! Embora muitos homens não te descubram neste
belo espectáculo que lhes dás da natureza inteira, não é porque estejas longe
de cada um de nós. [ ... ] Por toda a parte te manifestas e em toda a parte os
homens distraídos descuram perceber-te. Toda a natureza fala de Ti e ecoa o teu
Santo Nome; mas fala a surdos, cuja surdez deriva do seu próprio aturdimento.
Estás junto deles e dentro deles; mas são esquivos e vagueiam fora de si
mesmos, longe do seu coração. Encontrar-te-iam - ó doce luz, ó beleza eterna,
sempre antiga e sempre nova, ó fonte das castas delícias, ó vida pura e
bem-aventurada de todos que vivem verdadeiramente -, se te procurassem dentro
de si próprios. Mas os ímpios só te perdem quando se perdem. Ai de mim! Os teus
dons, que lhes mostram a mão de onde eles vêm, divertem-nos tanto que os
impedem de ver: vivem de Ti, mas vivem sem pensar em Ti: ou, antes, morrem
junto da vida, por não se alimentarem dela; porque ignorar-te não será estar
morto?
[...]
Portanto, se não fosses mais que um ser grosseiro, frágil
e inanimado, mais que uma massa inerte, mais que uma sombra do ser, a tua
natureza vã ocuparia a sua vacuidade. Serias um objecto proporcionado aos seus
pensamentos baixos e brutais; mas, porque estás bem dentro deles, onde eles
nunca entram, és para eles um Deus desconhecido; porque este fundo íntimo deles
próprios é o lugar mais afastado da sua vista, no desvario em que se encontram.
A ordem e a beleza que difundes sobre a face das tuas criaturas são como um véu
que te oculta aos seus olhos doentes. E então? Estará cega a luz que deveria
iluminá-los? Será que os raios do próprio Solos impedem de te ver?
Por fim, porque és uma verdade demasiado elevada e
demasiado pura para passar pelos seus sentidos grosseiros, os homens tornados
semelhantes aos animais não podem conceber-te; como se, todos os dias, o homem
não conhecesse a sabedoria e a virtude, sobre que nenhum dos seus sentidos
poderá alguma vez dar testemunho, porque elas não são nem som, nem cor, nem
odor, nem figura, nem nenhuma qualidade sensível. E porquê? Porquê, meu Deus,
duvidar mais de Ti do que de outras coisas, muito reais e muito manifestas, que
supomos muito verdadeiras em todas as questões mais sérias da vida e que, tanto
como Tu, escapam aos nossos débeis sentidos? Ó miséria! Ó noite medonha que
envolve os filhos de Adão: ó monstruosa estupidez! Ó subversão do homem todo! O
homem não tem dois olhos só para ver sombras e para a verdade lhe parecer um
fantasma: o que não é nada, para ele é tudo; o que é tudo, não lhe parece nada?
Que vejo eu em toda a natureza? Deus em toda a parte e, uma vez mais, só Deus!
FRANÇOIS FÉNELON (1651-1715)
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