segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

15 Janeiro - Morro de não morrer



Vivo sem viver em mim.
E de tal maneira espero,
Que morro de não morrer
Em mim mesmo já não vivo,
E viver sem Ti também não posso.
Este viver, que será ele?
Por isso, será morrer ou viver?
Mil mortes seriam a vida
Fora do supremo desejo.
Morro de não morrer.

Esta vida que creio viver,
Onde agonizo sem Ti,
É a morte que vai seguir-me
Enquanto não te vir.
Escuta, Senhor, a voz,
As plantas do meu desejo!
Morro de não morrer.

Estando tão longe, tão longe de Ti,
Que vida posso ter
Senão sofrer a morte?
Sem morrer nem renascer?
Senhor, tenho piedade de mim,
Tenho piedade do meu desejo.
Morro de não morrer.

O peixe da água saído
Vê o fim da sua miséria:
A morte que sofre lhe vale
A Morte, uma morte plena.
E eu vivo na dor.

Quando adoro a tua imagem
No Santíssimo Sacramento,
O teu olhar só me alivia
Para cavar o meu tormento.
A carne ergue as suas barreiras
Sobre as ondas do meu desejo.
Morro de não morrer.

Se exulto de alegria
Na tua presença, Senhor,
De te não ver sem cessar
Por dez se dobra a minha dor.
Vivendo assim no medo
Esperando como espero,
Morro de não morrer.

Ah! Tira-me desta morte,
Senhor, dá-me a vida!
Abre a tua fonte aos fervores
Da minha sede insaciável!
Morro de esperança, de remorsos,
E de temor e de desejo.
Morro de não morrer.

Lamentarei a morte,
E chorarei sobre a minha vida
Enquanto ela vai murchando
Por pecados sem remorsos.
Quando luzirá, Senhor, o dia
Em que eu possa dizer: «Amor,
Vivo de viver sempre»?
Quem não tem noite nem luz,
Porque vivo mais do que morro.


JOÃO DA CRUZ (1542-1591)

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